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PEÇAS FÁCEIS- PLATAFORMA SONOROCOREOGRÁFICA

 

Peças Fáceis- Plataforma Sonorocoreográfica consiste na criação de uma plataforma colaborativa em torno de práticas artísticas e discussões sobre som e movimento, ventiladas pela ideia de sonorocoreografia – atual pesquisa do Grupo Pró-Posição. A noção de plataforma, para além da perspectiva de projeto, contempla ações transversais como criação de trabalho inédito, colaborações artísticas, workshops, conversas públicas, ação fotográfica  e site de divulgação da proposta.

Temos buscado entender como o corpo pode produzir música não como um instrumentista que toca para alguém dançar, mas como uma corporeidade que se desenha no espaço como música e dança ao mesmo tempo. Um corpo sonoro, polifônico, que produz ruído, silêncio e música; uma música que dança e respira em movimento.

Na presente proposta, dialogamos com algumas peças musicais de Johann Sebastian Bach e Christian Petzold (1677-1733), a fim de investigar possíveis desenhos sonorocoreográficos em cima das partituras. Embora constituam notações fixas, as partituras servem de mapas móveis para trajetos nos corpos, nas vozes e nos instrumentos, bem como para misturas improváveis de sons e movimentos. Passíveis de utilização na íntegra, em fragmentos ou por meio de citações, as partituras são elementos de disparo para criação sonorocoreográfica.

Uma sonorocoreografia pode ser uma dança de corpos polifônicos ou uma música que dança. Pode ser também vibração em deslocamento, som diagonal ou ressonância em zig-zag. Pode ser movimento tonal, gesto dissonante e canção em queda-recuperação. Pode ser som, ruído, silêncio e redemoinho dos braços em tríade menor.

A partir de algumas peças fáceis compiladas pelo compositor barroco Johann Sebastian Bach (1685-1750) e sua esposa Anna Magdalena Bach (1701-1770) no Pequeno Livro de Anna Magdalena Bach, esta criação propõe um estudo sonorocoreográfico, em que movimento e som são produzidos na mesma escala temporal, ora por um disparo de voz que é gesto dançado, ora por uma propulsão de instrumento que é corpo.  Melodias, pausas, tríades, tétrades e melismas atravessam uma corporeidade híbrida que é som e movimento, música e coreografia, tudo junto num mesmo corpo assimétrico e barroco.

Desde os anos 1970, nas obras desenvolvidas pelo Grupo Pró-Posição, há a presença do acordeom e da voz como propulsores de sonoridades. Entre 2008 e 2013, nas obras dançadas por mãe e filha (Janice Vieira e Andréia Nhur), o acordeom se tornou fundamental na composição dramatúrgica dos trabalhos, sobretudo por sua função de enunciar músicas originais compostas especialmente por Janice Vieira para a cena. Em 2012-2013, com Vis-à-Vis, a musicalidade do acordeom se somou à canção em movimento. Para dar continuidade a essa presença musical, iniciamos em 2015 uma investigação mais profunda das relações entre corpo e som como propulsões que se atravessam numa corporeidade híbrida a partir de nossas experiências como bailarinas e musicistas.

CONSTELAÇÃO DE SABERES

 

Johann Sebastian Bach, maior nome da música barroca, marcou a música ocidental com suas composições ricas em harmonia e poderosas no discurso musical e na forma. Sua obra foi transpassada pelo contraponto, técnica composicional que utiliza sobreposição de duas ou mais vozes, levando-se em conta os perfis melódicos e as qualidades intervalares e harmônicas de cada uma delas. No bojo das misturas barrocas, Bach conseguiu produzir uma síntese entre polifonia e homofonia.

O barroco é historicamente ligado ao bizarro, ao assimétrico e ao extravagante. Etimologicamente, vincula-se ao vocábulo espanhol , usado pelos joalheiros desde o século XIV para designar uma pérola de formação irregular.

Amálio Pinheiro, em seus estudos sobre mestiçagem cultural, é um dos pensadores da cultura que apontam o barroco como condição de existência cultural na América Latina. Para Pinheiro, nossos processos civilizatórios são, de partida, não clássicos, não binários e radicalmente mesclados, de forma barroca em dobra-e-curva-e-redobra . (PINHEIRO, 2004).

No processo artístico que queremos desenhar neste projeto, essa condição do barroco nos sugere a ideia de “dança polifônica”. Reflexo dos diversos processos culturais antropofágicos do Brasil, essa dança pode ser vista como uma trama de retalhos de danças e músicas que nos impactaram ao longo da vida. Nesse sentido, os movimentos e sonoridades que poderão emergir de cada corpo, durante a criação do trabalho, enunciam memórias ouvidas, dançadas e esquecidas em constante fricção com as polifonias de Bach.

Para conversar com as ideias lançadas até aqui, convocamos leituras de autores como Amálio Pinheiro, que dialogam com a natureza mestiça e mesclada do barroco, estudos sobre antropologia do som e aproximação entre música e corpo (pulsação musical, pulso sanguíneo, respiração) no livro O som e o sentido, de José Miguel Wisnik (1999), entre outras referências transversais.

REFERÊNCIAS

BACH, J.S. . Bach Gesamtausgabe (BGA), vol. 43/2 [B.W. XLIII(2)]: "Joh. Seb. Bach's Musikstücke in den Notenbüchern der Anna Magdalena Bach"

GROUT, D. J & PALISCA, C. V. . Lisboa: Gradiva, 2001. 

MARTINEAU, John (Org). Quadrivium: as quatro artes liberais da aritmética, da geometria, da música e da cosmologia. Trad. Jussara Trindade de Almeida. São Paulo: É Realizações, 2014. (Coleção Educação Clássica)

PINHEIRO, Amálio. Por entre mídias e artes, a cultura. Humus 2. NORA, Sigrid (Org). Caxias do Sul-RS. Rumos Itaú Cultural, 2007.

WISNIK, J. M. O som e o sentido. Uma outra história das músicas. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.

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